Sim, eu corro. Não acredita? Tá bacana, sem grilos, já tô vacinado... Tudo bem, sem problemas, eu espero você terminar sua gargalhada. Cuidado pra não fazer xixi nas calças. Hein? Tarde demais?! Bom, eu avisei. Não, não... fico chateado não... tranquilo. Como aconteceu? Bom, eu te conto. Senta aí! Quer um bombom?
Passei meu aniversário em um avião, atravessando o País em direção a Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para visitar meus pais. A viagem foi longa e cansativa, sem contar as escalas e as conexões. O quê? O que isso tem a ver? Calma, aproveite seu chocolate.
Meu velho pai decidiu dar um churrasco em casa, para não deixar meu niver passar em branco. Um amigo nosso, gaúcho, pilotou a grelha com propriedade e a comida estava deliciosa. Comi, conversei, ouvi e contei piadas. E fui dormir, com carne até o tucupi (perdoem-me os vegetarianos), às 2h da manhã.
Gosto de dormir tarde. Funciono melhor à noite. Minha mente agiliza as sinapses a partir das 19h, e às 23h tem seu pico. A questão é que eu, simplesmente, tinha uma corrida no dia seguinte, às 7 da madrugada.
Hã? Que corrida? Ah, eu pulei essa parte? Foi mal. Pega um Sonho de Valsa aqui.
Antes de eu viajar, meu pai me fez um desafio: participar de uma corrida de rua com ele. Antes de responder, analisei a situação e cheguei a 3 saídas: 1) Dizer "não", o que seria dar o braço a torcer e fraquejar diante do meu velho, praticamente inaceitável para um filho primogênito; 2) Dizer "sim" e lidar com os problemas futuros, porque eu poderia acabar amarelando na hora "H"; 3) Enrolar o coroa e deixar ele esquecer. Optei pela terceira opção, mais segura. Desconversei e encerrei a ligação telefônica.
O galho é que meu pai não esquece de nada, e julgou minha enrolada como um sonoro SIM. Me inscreveu na tal corrida, que aliás, era de um percurso de DEZ QUILÔMETROS. Resumindo: numa manhã ensolarada de domingo, às 6 da manhã, estava eu acordado (ou quase isso), pronto (ou longe disso) para minha "corridinha". É só uma "corridinha", disse meu algoz. O bucho cheio de uma digestão ainda nem iniciada, a cara inchada e os olhos semi-mortos girando nas órbitas. Essa coisa era eu, partindo pra minha primeira "corridinha".
Preparação: banana e sal de frutas |
Há uma certa bizarra irmandade nessas corridas de rua. As pessoas se entreolham um tanto condescendentes, com um sorriso nervoso de canto de boca, como homens que se encontram na recepção de uma clínica de proctologia. Sabe, os corredores de rua estão conscientes de que estão ali para sofrer por pelo menos uns bons 45 minutos. E há um conforto em saber que outros também estarão ali passando pela mesma penúria. Meio masoquista, meio sádico.
Alonguei, fazendo pose, tentando parecer que era experiente no ramo. Mas um grupo perto de mim tinha até personal trainner. Ignorei. Ou fui ignorado, não sei muito bem agora. Uma buzina foi acionada. Pessoas de diversos tamanhos, cores, sexos e condições, se abalaram ansiosamente. Éramos todos números agora. E ninguém se sentia mal por isso, pelo contrário.
O abençoado que traçou o percurso daquela corrida merecia participar dos Jogos Mortais, episódio XX. O início da bagaça era uma ladeira com inclinação de mais de 35º. Não me abati. Fiz cara de mau, olhei pro lado pra checar o estado de saúde do meu pai, e segui em frente, inexorável.
Estava suando litros e tentei calcular em quanto tempo meu sangue também começaria a jorrar pelos meus poros. O ar me faltava, as pernas estavam bambas e meu coração batia na garganta, ao invés de seu lugar habitual. Choraminguei, mas num tom de voz muito grave, acho que por causa da secura desértica da minha goela. Pai, não dá mais pra mim... Não é psicológico não, num guento mais. Vou pedir pra sair... Quanto tempo já corremos??? O QUÊ???
Isso aconteceu aos 5 minutos de corrida. Eu já estava derrotado. Vi a cara de decepção do meu pai e percebi que a intenção do meu genitor não era a de me vencer, mas vencer COMIGO. Se meu coração ainda estivesse no meu peito, teria se partido. Como estava na garganta, tratei apenas de me manter vivo. Disse pra ele ir na frente, que logo alcançava. Reduzi a marcha, e caminhei por um bom tempo...
Curti a paisagem e o verde da cidade. Ia batendo papo com as senhorinhas que caminhavam ao meu lado, trocando receitas de bolo com sorvete. Ofereci ajuda a um cadeirante (fala sério, aquilo era uma baita duma subida sem-vergonha!) que participava da corrida e quase fui agredido. E então me deprimi, ao ver os primeiros corredores já fazendo o caminho de volta...