quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Corre Felipe, corre! - Parte 2

... O pelotão de elite já voltava correndo pelo outro lado da rua. Atletas concentrados, nem um pouco cansados. A respiração deles era inaudível. Deslizavam pelo asfalto, como se seus pés fossem rodas, como se o chão duro fosse na verdade uma cama dágua. Os caras voavam.

Até aí tudo bem, pensei comigo, os caras são profissi... antes que eu pudesse terminar a frase, um rapaz baixinho - e cuja última pesagem deve ter batido os três dígitos sem qualquer esforço - passou por mim, sorridente. Ainda teve a pachorra de me dar uma piscada de olho, e em sua mente eu pude ler o que ele pensava a meu respeito. Fiquei horrorizado.

Meu orgulho, ferido, enviou uma ordem expressa às minhas pernas... e numa clara demonstração de rebeldia, elas desobedeceram.

Finalmente alcancei o 1º posto de hidratação. Peguei um copo dágua, bati um papo com o pessoal da organização. E segui adiante, como se eu não tivesse participando da corrida, como se aquele número pregado no meu peito fizesse parte da arte da minha camiseta.



Vi meu pai ao longe, já no caminho de volta. Fingi dar um pique, o que me custou caro. Ao passar por mim, ele me perguntou se eu iria até o fim. Talvez ele quisesse que eu dissesse não, porque daí teria uma desculpa pra parar também. Tentei encontrar evidências de cansaço em seu rosto... nem uma gota. O coroa é uma máquina! Inspirado por esse exemplo, estufei o peito e disse que continuaria até o final, que sou brasileiro e não desisto, e que uma corridinha dessas não ia me derrubar. Ele sorriu, meio incrédulo, mas assentiu com a cabeça. Te vejo na linha de chegada! Quando ele continuou, voltei a andar... As senhorinhas passaram  por mim (!), e desta vez falavam sobre netos e bisnetos...

Finalmente dobrei a "esquina" que demarcava o ponto de retorno. Marotamente, perguntei ao pessoal da organização se ali já era o final. Não deveria ter feito a pergunta. Porque quem pergunta precisa estar preparado pra resposta. Ainda faltam SETE, alguém gritou, querendo me magoar. Olhei bravo pra cara desse fulaninho. Puxei todo o ar que pude, com essa nareba de turco que recebi da genética, e iniciei meu trote, pé ante pé.

Ouvi gritos atrás de mim: Sai da frente! Os cadeirantes passaram zunindo seus veículos, o corpo inclinado pra frente por causa da aerodinâmica. Nenhum deles quis me dar carona. Eu quase fui atropelado tentando embarcar...

Meu pai ama correr. Ele diz que, quando corre, pensa na vida, toma importantes decisões, tem insights. De certa forma, ele tem razão. Comigo foi um pouquinho parecido: eu pensava na morte, estava tentando decidir se continuava ou clamava por uma ambulância, e tinha constantes blackouts... a vista ia escurecendo...

É uma batalha do corpo contra a mente. O tempo parece se arrastar, quando você corre. Lembrei que tinha esquecido o relógio no carro. Pra mim, eu estava correndo há horas...

Um homem se aproximou. Trocou figurinhas comigo, falou sobre futebol, carros... Deu dicas pra controlar a respiração. Disse tchau e acelerou. Duas mulheres, mãe e filha, emparelharam. Riram comigo (ou seria de mim???): você corre engraçado! A filha era economista, vi pela camiseta. Falamos sobre a taxa de câmbio do Brasil e sobre as eleições, que estavam próximas. Acho que ela foi uma das únicas pessoas que votaram no Plínio. Também aceleraram...

Fui no meu ritmo. Confesso que estava curtindo a empreitada. As pernas já não doíam mais. Na verdade, às vezes dava uma olhadinha rápida para ver se elas ainda estavam lá. Foi quando fiquei deprimido pela 2ª vez. Alguns corredores já voltavam, CORRENDO, com medalhas no peito. Isso porque a chegada ficava longe da largada, e os aficcionados voltavam correndo para buscar os carros, mesmo depois da premiação. Mas corredor de rua é tipo um membro de clube de auto-ajuda: eles me animavam, davam tapinhas nas minhas costas (empurrãozinhos?), cantavam palavras de incentivo.

Ao passar por um posto de checagem, ouvi a conversa entre dois dos organizadores, pelo rádio: pxxxx... ainda tem um aqui na Avenida Tal... câmbio... pxxxxxx... Ainda??? fala sério!!! pxxxxxx... E assim fui...

Após mais uma de centenas de curvas, uma aglomeração foi surgindo. O coração - que já havia milagrosamente retornado ao peito - acelerou... era a linha de CHEGADA. Corri como um louco. Estava indo o mais rápido que podia, mas tinha consciência de que uma criança aprendendo a engatinhar me ultrapassaria sem dificuldade.

Vi meu pai me esperando. A boca aberta, surpreso... os olhos marejados... Tirei gás num sei de onde (talvez do pão d'alho do churrasco de ontem). Incorporei o Rock Balboa. Dando socos no ar e pulinhos ridículos, atravessei a linha de chegada. Me ajoelhei, fazendo graça. Beijei o chão. Meu velho me abraçou, cheio de orgulho. Abraçou muito forte. Duas costelas estalaram ruidosamente. Apontei para as nuvens... EU CONSEGUI: 10km em 1h20min.

Eu e meu treinador: No final, a glória!

E não fui o último a chegar... Logo atrás vinha um senhor de idade, na faixa dos 80 anos, vítima de um severo problema no joelho direito que o fazia correr quase que de lado. Sim, senhor! Foi desse cara que eu ganhei. E só dele...


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7 comentários:

  1. 10 km em 1h20 ?? Você foi bem! Corro quase todos os dias cerca de 4 km e nunca participei de uma maratona por não me achar preparado, amanhã mesmo vou procurar uma e me inscrever! rsrsrs.

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  2. Batera, não recomendo isso nem pro meu inimigo! Passei 15 dias com fortes dores e tive até que fazer fisioterapia (vou contar isso num próximo post). Mas valeu a pena! 10km tu faz tranquilo. Tudo bem que eu caminhei por 3km... Na verdade corri mesmo só 7km.
    Bora participar de algumas corridas de rua na cidade??? Preciso dum parceiro! hehehe!

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  3. Filhão;
    a próxima é a São Silvestre só para curtir;
    vou fazer sua inscrição, se prepare para não baixar ao hospital.
    Se cuida.
    Papito

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  4. perto da minha casa tem um centro de convivencia para idosos, eles fazem de tudo inclusive correr, se quizeres poço te escrever lá e tu começa a correr com eles. logo logo vc conseguira ultrapassar os de 70, depois os de 60
    depois com um pouco mais de esforço ultrapassarás os de 50 e quem sabe um dia consigas ultrapassar a terceira idade todinha.

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  5. Só tenho uma coisa a dizer depois de ler essa sua história: kkkkkkkkkkkkkkkkk. Você não existe!!!!
    O pior de ler suas histórias é que, enquanto espero o ônibus e não tenho nada pra fazer, fico pensando nessas tuas aventuras e me ponho a rir! O pessoal ao meu redor pensa que sou doida!rsrsr

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  6. KKKK..Show de bola.Agora tem a parte 3 falando a respeita da corrida de 5km em Manaus.

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