terça-feira, 23 de agosto de 2011

Fúria sobre duas rodas - Parte 1/3


- Deixa comigo!

Foi o que eu disse a meu pai, enquanto tentava encaixar as 8 (sim, OITO!) fitas de vídeo (sim, VHS!) na minha pequena mochila. A missão era bem simples: pedalar alguns poucos quilômetros até a videolocadora e devolver as fitas antes do prazo fatal. Já que eu e meu velho não alugávamos vídeo por unidade, mas por quilo, a multa por atraso seria estratosférica se eu falhasse. Ele queria entregar de carro, mas na época - acredite! - eu gostava de atividade física (credo!) e tava muito a fim de desenvolver minhas habilidades ciclísticas.

E aqui vai uma notinha: eu só aprendi a andar de bicicleta sem rodinha aos 13 anos, ou seja, pouco mais de quatro meses antes do episódio que aqui vou escrevendo, o que quase causou traumas irreparáveis em minha auto-estima, uma vez que via todos os meus amiguinhos voando baixo nas magrelas enquanto eu ficava amuado num canto, desejando ter foguetes nos tênis.

Voltando... Eu insisti tanto que ele permitiu.

- Você só tem 30 minutos! Vai lá e volta rápido.

Era uma bela tarde de domingo. Não lembro quais eram os filmes. Mas lembro que tínhamos acabado de assistir o último e eu estava empolgado com as cenas. Era um filme que tinha uma baita cena de perseguição, e eu me sentia o cara, o maioral. No pé da ladeira íngreme, mudei as marchas da minha Acrobatter (era o nome da minha bicicleta, dou um doce pra quem lembrar) e pedalei em pé na máquina, imaginando snowmobiles no meu encalço. As fitas chacoalhavam dentro da mochila e faziam um barulho bacana, que imediatamente assimilei como o ronco do meu "motor".


A locadora ficava em uma rua movimentada, logo após a igreja da matriz (estou falando de Mogi Guaçu/SP, moçada, e não de Manaus... toda cidade no País tem uma igreja matriz...). Tinha uma esquina mega perigosa em que quem subia não via bem os carros que estavam descendo, até que estivessem frente a frente, o que ocasionalmente gerava acidentes bem feios.

Eu me aproximava veloz. "Lá está! A curva da morte", minha mente cinematográfica roteirizou. Avancei sem medo, afinal, eu estava pilotando uma máquina potente e já tinha planejado uma manobra que faria os malditos snowmobiles se arrebentarem contra a parede da escola de karatê que ficava bem na esquina... Dei uma conferida no relógio, presente recém-ganhado (!!!) no aniversário, belo relógio digital com cronômetro. Ainda tinha 5 minutos. O desafio tava no papo... isso, claro, se eu conseguisse despistar os capangas de algum mafioso que vinham deslizando pelo asfalto em seus trenós de neve.

Não pisei no freio... apenas parei de pedalar... Joguei todo o corpo para a direita, imitando um cara chamado Alexandre Barros. O joelho quase encostou no chão... Já estava sorrindo feliz quando um caminhão logo à frente passou por um quebra-molas e derramou parte de seu conteúdo sobre a minha rota de fuga. Num reflexo, puxei o guidão para cima e evitei a sujeira da pista... mas o pneu traseiro da Acrobatter não teve a mesma sorte, e eu derrapei na pista. Vindo na direção oposta, uma picape trazendo torcedores bêbados de um certo time de cores pretas e vermelhas fazia algazarra. Sem controle algum do meu veículo, fechei os olhos e me preparei para o impacto.

Ouvi um apito de freio brusco e senti cheiro forte de borracha queimada, antes de ouvir a explosão...

- Sai do meio da rua, moleque!

Foram as gentis palavras de um motorista estressado que me acordaram do transe. Olhei para trás. A picape havia se chocado com os dois trenós pilotados pelo inimigo. "Sorte", pensei com um sorrisinho. Levantei. Algumas fitas se esparramaram pela rua. Guardei tudo rapidamente. Com carinho, reergui minha companheira de duas rodas. "Boa menina"...

O relógio apitou. Tinha apenas 10 segundos. Subi na bicicleta com um rápido movimento. O apito do meu cronômetro era como o anúncio da iminente detonação de um desastre nuclear. Avistei o letreiro amarelo e preto da locadora. Era como ver o pote de ouro no final do arco-íris. No estacionamento, desmontei e larguei a magrela, que ainda rodou sem motorista por alguns metros, se chocando com a vitrine de uma loja de roupas infantis que ficava bem ao lado. Venci os 6 degraus da escadinha num salto, botei a mão na maçaneta e girei...

Nada aconteceu.

Tentei com mais força, e o único resultado diferente que obtive foi um grunhido de dentro da loja. "Já fechamos!", vociferou o funcionário de uniforme e boné engraçados, com um esfregão na mão. Bati freneticamente na porta. Mostrei o joelho ralado, a mochila suja. Choraminguei, pedi por favor.

Nada aconteceu. 

"Meleca!", era o único xingamento que eu tinha na mente naquela idade. Sentei no degrau e observei o pôr-do-sol, que trazia consigo a minha condenação. Já estava tudo planejado. Não voltaria nunca mais para casa... Venderia as fitas para comprar comida. Pedalaria em direção ao litoral, e de lá entraria em um navio para o Japão.

Com o efeito da adrenalina passando, o joelho começou a arder. O sangue seco misturado com areia criou uma crosta nojenta na minha perna, que nem eu mesmo ousava tocar. Foi então nesse momento que um anjo apareceu.

- Que machucado feio, heim, Felipinho?

Ah, sim, sim... Olhei na direção daquela voz já sabendo o que encontraria: Yasmin, a caixa da locadora, uns 12 anos mais velha que eu. Um anjo. "O que você andou aprontando, mocinho?"

- Errr... bem, eu... a esquina da morte... areia... bluuur... trenós de neve... e... bom... hmmm...

Ela abriu a porta da locadora, e estendeu a mão. Instintivamente, eu também estiquei a minha. "As fitas, rapazinho! As fitas! Se não devolvesse hoje, estaria numa encrenca daquelas, né?" Eu acenei que sim. Abri a mochila. Entreguei as ditas-cujas, algumas à milanesa. Ela sorriu e berrou, entrando na loja: "Ô Rômulo, por que você deixou o coitado na porta?" Ainda pude vê-la beijando o zé-mané de boné esquisito e esfregão.

Mas antes que eu ficasse com ciúmes, ou sentisse meu coração partir, um último raio do ocaso refletiu na pintura verde-metálica da minha magrela. Ela sorriu pra mim e eu retribuí. Limpei a areia do selim. "Vamos voltar pra casa."

E essa era a melhor parte de devolver fitas. Afinal, a volta era só descida!!!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O bancário e o cacique

Nunca mais esquecerei daquela manhã de fevereiro de 2005. A agência estava apinhada de gente: aposentados, militares e indígenas se moviam pelo espaço limitado daquela unidade do Banco do Brasil em São Gabriel da Cachoeira. Meu mentor, Gilmar, estava cobrindo as férias de outro colega na gerência de expediente. Isso significa que eu era o único homem na linha de frente na quarta-feira de cinzas. Lembro que realizei algo em torno de 1200 autenticações, ou 2,85 procedimentos por minuto - recorde absoluto quebrado posteriormente (jamais bati essa marca de autenticações por minuto). Cara, eu era bom (hehe).

Vi quando ele foi barrado pela porta giratória. A fivela metálica e exuberante do seu cinto irritou o detector de metais. Entrou no rabo da fila contrariado, ajustando o tal cinto. Parecia coberto pela multidão no salão, mas mesmo assim eu conseguia ver o topo do seu cocar.



Já havia me esquecido da figura mais de uma hora depois, quando chamei o próximo cliente. Ele veio de cara amarrada. Se não fosse pelo exótico adorno na cabeça, diria ser um empresário curtindo suas férias, ou algo assim.  O tênis Nike, a calça Levi's, a camisa Polo de uma cor que eu não consegui identificar... óculos escuros RayBan que ele não tirava de jeito nenhum... E um cocar. Pelo arranjo das flores e penas, julguei ser da tribo Tukano.

O homem colocou seu cartão de benefícios governamentais sobre o balcão.

- Abaru, tapiri auê se ne me çubá!*

No mesmo instante, minha mente treinada já traduziu: "Felipe, você tá lascado!" Foi isso mesmo que minha cabeça falou, como se não fizesse parte do resto do meu corpo, como se fosse um ente separado. É impressionante como, nos momentos de estresse, até mesmo sua mente e seus membros te abandonam, deixando apenas a sua alma para ser castigada pelas situações de saia-justa mais vergonhosas ou humilhantes.

- A-mi-go... Eu - não - en-ten-do - o - quê - vo-cê - es-tá - di-zen-do. Eu - não - fa-lo - sua - lín-gua...

Ele tirou o RayBan com um golpe. Vi o desconforto nos olhos do cacique se transtornarem em raiva. Havia fogo da floresta ali e ele desandou a falar, uma enxurrada de palavras naquela língua estranha:

- Arará, nu poranga çairacá perê. Macerá piri çabetê coiré.

Não precisava de intérprete. Nessa hora, eu sabia que o homem estava me xingando. Todo mundo sabe quando está sendo ofendido, não importa qual seja a língua. Você sente aquele remelexo no estômago: é a sua honra sendo violentada. O homem gesticulava e esbravejava, batendo com o punho cerrado sobre o pobre balcão de madeira coberto de fórmica cinza-azulada. Chacoalhava minha estação de trabalho e as moedinhas chegaram a sair do organizador de plástico e se espalharam pela mesa.

Eu tentei me comunicar. Fiz gestos. Pacientemente, ouvi com atenção. Por um momento, identifiquei palavras perigosas, como Tupã e Abaçaí. Ele estava me amaldiçoando... sério! Tava rogando praga pra cima de mim! A situação saía completamente do controle enquanto meus pensamentos continuavam tirando onda comigo, assistindo a toda a cena como se fosse outra pessoa. As pessoas na fila estavam incomodadas, mas permaneciam em seus lugares sem reclamar - no interior, os clientes são muito mais tranquilos e respeitam o seu trabalho... esperam a sua vez enquanto batem papo com os outros clientes... quase um evento social, ir ao banco.

Num último ato suicida, levantei.

- Vou - cha-mar - o - es-ta-gi-á-rio - que - vai - tra-du-zir - o - que - vo-cê - diz... OK?

Algo aconteceu naquele momento. A última palavra mudou o semblante do índio tukano. Quando eu ia virando as costas para implorar pelo socorro do estagiário, descendente direto de tikunas (e que falava bem a língua-geral), o cacique segurou o meu braço.

- Abaré, awañene avá. "Perdeu, playboy", foi a tradução literal que meus neurônios inventaram.

Eu congelei. Ouvi, atônito, as próximas palavras daquele homem, que depois de me deixarem em choque, marcaram para sempre a minha vida:

- DO YOU SPEAK ENGLISH?

O sotaque nova-iorquino era inconfundível. O cacique tukano falava inglês como um nativo norte-americano, mas não falava o português... Não adiantou muito. Meu inglês só não era pior que o meu nheengatu...


* Não conheço o nheengatu. As palavras aqui descritas foram criadas a partir da lembrança dos fonemas e não correspondem a vocábulos reais. Obrigado pela compreensão.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Super-Herói

Sim, eles existem. Não se deixe enganar, nem pense que tudo o que você vê nos quadrinhos, ou no cinema, é apenas ficção. Os super-heróis existem sim! E mais: eles estão entre nós. Não é assim tão fácil reconhecê-los, afinal, eles não usam cuecas sobre as calças, e seus superpoderes geralmente são discretos. Sem dúvida você já cruzou com um, sem saber.



Digo isso por experiência própria. Eu conheço um super-herói de verdade!

O herói que eu conheço, por exemplo, você nem diz que é herói. Olhando assim, ele não é alto, nem é saradão... Mas ele me ensinou a lutar, quando vinha na minha direção balançando pernas e braços, olhos arregalados, imitando um robô... eu tomava posição de combate, mas quem disse que eu podia contra ele? Em um segundo estava eu gargalhando, rolando no chão, rindo do "ataque" de cócegas.

Meu herói já foi palhaço, divertindo meus amigos, distribuindo saquinhos de pipoca que magicamente saíam de sua roupa. Já foi Coronel Trautman, numa promoção relâmpago, enquanto me orientava como se eu fosse o Rambo. Meu herói não é um Jedi, mas me mostrou de qual lado da Força eu deveria ficar. O herói que eu conheço tem visão além do alcance, e eu não falo apenas de enxergar longe, mas tem a capacidade de quase saber o futuro... O herói que eu conheço fala, e faz o que fala. 

Esse herói, ao contrário dos falsos heróis, chora. Tá, tudo bem, eu o vi chorando poucas vezes... na primeira vez, ao perceber minha cara assustada, tentou até esconder. Mas um instante depois, olhou para mim, do alto de uma escada de ferro, e disse: "Homem que é homem chora." Isso foi há tanto tempo! Mas heróis têm esse poder, de fazer a gente não esquecer de jeito nenhum o que eles falam.

O herói que eu conheço me mostrou como ser firme sem ser ignorante; ser diplomático sem ser hipócrita; a ser malandro sem tirar vantagem dos outros e a ser ousado, mas não abusado.

Meu herói chegava todas as noites com um estória diferente - ok, hoje ele as repete, mas e daí? é sempre bom ouvi-las de novo... e de novo... e de novo...

Percebi que ele era um herói quando me levou, cruzando a cidade num ônibus, debaixo de um sol escaldante de uma tarde veraneira de sábado, e me levou para assistir "Batman". Sim, o primeiro Batman. Eu vi aquele homem-morcego agitando na telona, mas quando olhei para o lado, percebi que Bruce Wayne não era páreo para o cara que tava ali comigo.

Meu herói me ensinou a tabuada em tempo récorde. Meu herói corre 10km sem se cansar. Meu herói me mostrou como vencer desafios, pois ele sempre me desafiou, jamais deixou eu ganhar nada sem algum mérito, e me incentivou em todas as minhas ideias malucas. Dele veio a curiosidade sobre tudo, e a disciplina. Mostrou como uma mulher deve ser tratada, e o valor da família, e tudo isso no dia-a-dia, na prática, pois "palavras convencem, mas só o exemplo arrasta".

Esse grande homem não lê mentes, mas se comunica comigo só pelo olhar. Ele não tem super-força, mas me carregou muitas vezes. Não tem o dom da cura, mas me conforta. E num único abraço, ele afasta meus inimigos... De vez em quando se irrita, mas aquele sorrisão sempre no rosto, desmonta!

Esse super-herói nunca salvou o mundo todo... Mas há 50 anos salva o MEU mundo. E isso é mais do que o bastante para mim.




Parabéns, meu PAI, pelo meio século de uma vida bem vivida. Que Deus te abençoe.


TE AMO


quarta-feira, 15 de junho de 2011

Sobre guarda-chuvas e sombrinhas: Um estudo neurossociológico

Todo estudo acadêmico-científico que se preze tem que começar com uma definição formal. Pois bem! Gosto particularmente do conceito do povo amazonense a respeito do tema, para quem, não importa a ocasião, guarda-chuva é sempre uma "sombrinha". Isso mesmo: pode estar uma chuva torrencial lá fora, à noite, sem energia elétrica, que o caboclo só sai de casa com uma sombrinha. Amazonense não usa guarda-chuva. Usa sombrinha. E pode ser um baita guarda-chuva, do tamanho de uma barraca de camping para 20 pessoas - vai continuar sendo uma singela sombrinha.

Diferenças clássicas entre guarda-chuvas e sombrinhas

Isto posto, há que se justificar a origem do texto. Estava o autor saindo de casa, às 7h30 da madrugada de uma segunda-feira preguiçosa, quando começou a chover forte. Abrigado pelo veículo, não deu muita bola para a chuva, até se lembrar de que o trajeto entre o carro e a repartição onde trabalha torna-se imensamente mais comprido em dias de tempestade (valeu, Einstein!). Pensou em voltar para buscar seu guarda-chuva e já vinha fazendo um retorno "semi-proibido", quando atinou para o fato de que não possuía um guarda-chuva desde o dia 27 de novembro de 2005. Neste fatídico dia, o autor do estudo perdeu seu 61º guarda-chuva, o que motivou uma decisão definitiva no reveillon daquele mesmo ano: nunca mais teria uma sombrinha novamente.

É uma decisão logicamente simples e menos dramática do que aparenta: o estresse causado pela perda de um guarda-chuva não compensa seu valor de mercado. A conta é a seguinte: considerando que adquiri, a partir dos meus 15 anos de idade, 61 guarda-chuvas; considerando que a média de preço de um guarda-chuva comum, médio, preto e sem desenhos, já descontadas a depreciação, valorização das moedas, planos econômicos e inflação, é de aproximadamente R$ 15... Gastei, por ano, algo em torno de 85 reais! Isso significa dizer que, todos os anos, eu esquecia 85 contos em ônibus, banheiros de shopping, cinemas, salas de aula... Oitenta e cinco reais! Em guarda-chuvas!

Infográfico (clique para ampliar)

O guarda-chuva é um daqueles objetos místicos que você só percebe sua existência no caso de ausência, como, por exemplo, aquele pedaço de ovo de páscoa que você esqueceu na geladeira e que, no dia em que passa o tempo todo pensando em chegar em casa para finalmente devorá-lo, descobre que seu irmão caçula foi mais rápido.

Mais místico que isso, no entanto, é a capacidade inerente ao objeto de simplesmente desaparecer. Se você já teve um guarda-chuva, com certeza você já perdeu. A atual sombrinha que você tem hoje provavelmente será deixada largada em algum lugar nos próximos 2 ou 3 meses. Até mesmo quem não tem guarda-chuva já perdeu o de alguém! Há casos documentados de vítimas que juram ter perdido o maldito dentro de suas próprias casas, mas nunca, jamais, terem-no encontrado novamente.

Para mim, isso é algum tipo de conspiração das empresas produtoras deste estranho objeto. Uma forma de manter o mercado de sombrinhas aquecido e com demanda sempre crescente. Só pode!




Voltando ao campo mais técnico, e tomando por base os conceitos difundidos por Murphy (1952), proponho o "Teorema Básico do Guarda-Chuva". O teorema, que claramente bebe na mesma fonte (com o perdão do péssimo trocadilho), na "Teoria da Proximidade do Banheiro" (estudo clássico cujo corolário mais famoso é: "Quando você está apertado para ir ao banheiro, quanto mais próximo você estiver de um, mais irresistível será a vontade"), expõe que a probabilidade de perder um guarda-chuva cresce exponencialmente, em função da precipitação do momento, enquanto que a probabilidade de recuperá-lo decresce de maneira inversamente proporcional. Isso significa, em termos leigos, que quanto maior for o toró, mais chances você tem de esquecer a sombrinha em algum veículo ou local que torne impossível sua recuperação. Ou seja, você perdeu o dito-cujo para sempre, playboy!


O fascínio e a mágica em torno do guarda-chuva, e até mesmo uma certa obsessão pelo objeto, podem ser inclusive percebidos na arte. A Velha Surda e o Pinguim o usavam como arma. Gene Kelly tinha uma sombrinha como parceira de dança. Era meio de transporte para Mary Poppins. O mundo entrou em colapso depois que uma organização chama "Guarda-Chuva" liberou um vírus que transformou todo mundo em zumbi em Resident Evil. E, claro, foi hit de Rihanna que venceu um Grammy em 2008.

O autor do estudo continua firme em não adquirir outro guarda-chuva. Mas isso pode mudar a qualquer momento, instável e indeciso como a previsão do tempo...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

#OrgulhoNerd

Vida longa... e próspera!
 
Era o primeiro ano do Ensino Médio. Durante o intervalo, dois amigos jogam "Magic - The Gathering" no gramado entre os blocos de salas de aula, enquanto um outro rapaz só assiste, tecendo comentários engraçadinhos a respeito dos nomes e das descrições contidas nas cartas. A partida já se encaminhava para um final épico, quando três gigantes - veteranos do 3º ano; e quando eu digo "veteranos" quero dizer: "aqueles caras que não estudam e repetem as séries em progressão exponencial" - aparecem do nada, como que advindos de um buraco de minhoca maligno de Stargate.

Não eram pessoas, eram orcs. Com um projeto de sorriso entre os lábios cheios de baba verde, o que parecia ser o líder da horda bagunçou todo o plano do duelo. Os jogadores conseguiam sentir o peso do mana de cor preta que vinha dele. Um dos meninos colocou a mão no bolso, procurando um Círculo de Proteção ou coisa assim. O garoto que só comentava o jogo balançou a cabeça, negativamente. É melhor não provocar as criaturas.

- Então vocês são os idiotas do primeiro ano? - falou o Darth Vader.

"E vocês devem ser os imbecis do terceiro...", uma mente sagaz devolveu, mas o apego à vida impediu a boca de articular as palavras.

- Viemos aqui para acabar com a raça de vocês!

"A raça de vocês é que deveria ter sido extinta no dia em que o Um Anel foi lançado no abismo de fogo em Mordor", outra cabeça pensante respondeu, pá-pow, sem exteriorizar.

O garoto engraçadinho, que nem gostava tanto assim de Magic, mas estava ali entre bons amigos, pensou em ensaiar os movimentos preparatórios do hadouken. Mas lembrou que seria muito difícil executá-los com perfeição diante de uma ameaça tão iminente, em um inimigo tão próximo. Esse golpe necessitava de um mínimo de espaço. Desistiu. Pensou que não viveria tempo suficiente para saber o que raios aconteceu com Fox Mulder. Não chegaria a ser mestre de uma mesa de GURPS. Não assistiria aos demais filmes da trilogia de Matrix.

Os dementadores avançaram. Um dos meninos começou a choramingar. O outro tomou posição - afinal, aquelas aulas de ninjutsu com o tio de terceiro grau, que ele tomou por querer imitar Kenshin Himura, poderiam ser úteis... a despeito do fato de não haver espada alguma para aplicar o battoujutsu.

O piadista ainda tinha uma última carta na manga. Nunca acreditara em signos mas, como bom virginiano, fechou os olhos e mentalizou. Abriu os olhos de repente, por trás de seus óculos fundo-de-garrafa, e soltou um tímido "Rá!". Nada aconteceu. Shaka era o cavaleiro mais poderoso das Doze Casas. O Tesouro do Céu funcionava com ele, não com um moleque do Colegial. "Por favor, moço, no estômago não, que eu tenho problema de gastrite", foi o que conseguiu dizer... O chefe das criaturas das trevas veio em sua direção, e ia preparando um belo soco na face, atendendo, como um gentleman, ao seu pedido.

"Logo hoje fui esquecer meu sabre de luz", lamentou um dos garotos.

O sinal tocou. Os quinze minutos de intervalo mais longos de toda a existência do ser humano na Terra finalmente haviam acabado. O Seu Vagner, inspetor de alunos, apareceu, como um EVA salvador, vindo dos céus.

- Largue o menino! O que vocês estão fazendo aqui fora? Você aí: quer briga? Vai procurar alguém do seu tamanho! Já pra sala de aula! E vocês... recolham essas cartas, senão vou jogar tudo no lixo! Vocês não deveriam mexer com isso, é coisa do demônio. Anda, anda, anda... que eu não tenho o dia todo!


***

Isso aconteceu em 1999, na Escola Técnica Estadual Pedro Ferreira Alves, em Moji Mirim, São Paulo. E o rapaz do estômago, era eu. Numa época em que ser nerd era ser escória e pária da sociedade. Se bobear, o Darth Vader da história deve ser hoje o office-boy do Padawan que esqueceu o sabre. Os nerds não mudaram, foi o mundo que mudou. Não sei dizer se isso é um "ainda bem" ou um "ih, rapaz".

De qualquer forma, é o meu jeito de dizer: Feliz Dia do #OrgulhoNerd.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Mitologia (ou A Verdadeira Face do Tempo)

As pessoas têm uma noção errada a respeito do Tempo. Para o senso comum, o Tempo é um senhor idoso, de cabelos compridos sobre os ombros, e longa barba branca. Um velho sábio e contido, de voz de trovão, ainda que calma... 

Se você também pensa assim, não poderia estar mais enganado.


O Tempo é um moleque mimado e arteiro. É uma criança, apesar dos seus milhares de anos de idade. O Tempo é orgulhoso e egocêntrico, não espera por ninguém, não dá bola pra ninguém. O Tempo sai correndo quando você mais precisa dele, e faz de tudo pra chamar a sua atenção quando você não tá nem aí. Ele não entende que poderia dar uma paradinha de vez em quando, e não te ouve nem quando você implora por mais um minutinho. O Tempo é um pré-adolescente rebelde e encrenqueiro.

Mas como toda criança, o Tempo precisa de disciplina. Afinal, o Tempo tem muito potencial. Ele só precisa de uma direção, de uma trilha segura, de objetivos. Se você puder criar o seu Tempo, educá-lo, cuidar direitinho dele, com certeza você terá um tesouro nas mãos.

O Tempo não cura nada, o Tempo não sabe de nada. Quem cura mesmo é o Amor. Esse, sim, é um cara maduro, vivido, e sábio. O Amor é seguro de si, é firme sem ser estúpido, é manso sem ser leso. E o Amor pode fazer o Tempo se desenvolver... e pasme: em troca, o Tempo fará o Amor crescer também...


Só não esqueça de uma coisa: não pressione tanto o Tempo. Afinal, ele é só uma criança... 


terça-feira, 26 de abril de 2011

Top Five Eportes Radicais que eu vou praticar em 2011

Uma das minhas decisões de Ano Novo (sim, ainda dá tempo de falar sobre isso) é que, em 2011, eu finalmente vou levar à sério minha saúde e que vou praticar esportes. Mas, sabe, queria sair um pouco do senso comum e comecei a pesquisar novas modalidades que me inspirariam a ser um praticante regular.

Dessas minhas pesquisas, elaborei um TOP FIVE dos melhores esportes que, sem dúvida, você vai me ver praticando ainda neste ano. Confira!



sábado, 12 de fevereiro de 2011

Jimmy Bolha

Eu tive um professor de cursinho que dizia a seguinte frase: "Tem época de vacas magras em que a gente não é aprovado nem em exame de fezes..." Mau gosto e humor duvidoso à parte, não pude deixar de lembrar disso hoje, e vou explicar o porquê...

É que depois de passar a quarta-feira de cama, espirrando que nem um condenado, com a cabeça pesada (e nem era a minha consciência... juro!), numa crise de rinite, decidi que era hora de procurar um médico. Você sabe como é, homem só vai ao médico quando a parada é grave! Então reuni forças e parti para a Clinicor, conversar com a Dra. Maria Aparecida Ribeiro de Matos, alergista (ou alergologista???).

Essa médica é excelente! Chegou na hora, atendia rápido e super bem. Fui chamado e, depois de 2 minutos de papo, quis examinar minha nareba. Para isso, ela usou uma lanterna e reuniu uma equipe de espeleólogos... Ao retornarem da minha cavidade nasal, a dra. olhou pra mim com uma carinha de dó e disse: "Hmmm". Encostou aquele estetoscópio gelaaaado e auscultou meus pulmões. Sentia cada alvéolo reclamando quando ela insistia para que eu respirasse bem fundo. Mas isso não foi o pior. O pior ainda estava por vir...

Voltei para a cadeira. Sorridente e no piloto-automático, típico de quem faz isso o tempo todo, a médica marcou meu antebraço com uma caneta e foi pingando uma gotinha de cada frasco que estava sobre a mesa. Elogiou meu manto lipídico (obrigado, Protex!!!) e, enquanto eu conversava animado, ela simplesmente foi furando a minha pele com uma agulha... Minha curiosidade costumeira me impulsionou, e ela disse, bem tranquila, que era para os agentes alergênicos penetrarem na epiderme... Cara, isso não podia ser boa coisa!

Ela mandou eu voltar para a sala de espera. O sorrisinho dela não estava mais condescendente. Reparei aquele brilho meio sádico no olhar, que todos os médicos tentam esconder mas que o Dr. House insiste em escancarar... Sentei. Fui tuitar, já que eu tinha esquecido minha revista em casa.


Primeiro, senti apenas um leve formigamento. Um minuto depois, uma coceira diabólica. Depois, uma queimação que me fez ter vontade de arrancar o braço. Claro que eu aguentei firme. Havia crianças na sala de espera. Eu tinha que dar o exemplo. Dez minutos de espera, com o meu braço pipocando, parecendo ter vida própria, sendo desfigurado por umas "empolações" esquisitíssimas. Não sentia dor. Mas confesso que fiquei em dúvida se aqueles tais "agentes" não tinham entrado na minha corrente sanguinea...

A médica me chamou, e abriu a porta para mim, simpática. O curioso foi olhar para a reação dela quando viu meu braço! Ela virou pra mim e disse: "Você é alérgico à tudo!" E foi aí que a frase desagradável do meu professor de cursinho veio à memória. Não passei no teste de alergia... e aqui vai a lista:

- Ácaros de todas as espécies.
- Germes.
- Pelos de animais.
- Penas (de animais, também!).
- Baratas (tanto a germânica quanto a americana, frise-se).
- E uma pá de outras coisas das quais eu não me lembro agora.


Desfiou uma série de recomendações. Quase me proibiu de eu mesmo fazer a limpeza da minha casa (o quê!?!)... tenho que comprar máscara, capas antialérgicas para os colchões e travesseiros, me livrar dos tapetes, providenciar limpeza 2 vezes por semana, lavar roupa de cama com água quente (!!!), desligar o ar-condicionado antes de dormir... E mais: raio-x da fuça pra confirmar sinusite e vacina todo mês (detalhe: R$ 50 sem cobertura do plano de saúde). É por essas e outras que eu não curto muito ir ao médico! Agora tenho receita para um spray nasal (coisinha potencialmente viciante).



E no fim das contas, pensei no Jimmy Bolha, e dei total razão para o Howard Hughes (O Aviador). Finalmente, algumas de minhas manias favoritas agora têm receita médica!



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tio é a vovozinha!!!

É estranho como não nos damos conta da passagem do tempo. O tempo é algo completamente incontrolável, indomável e – admito – implacável.

Estava eu enevoado em meus profundos pensamentos, admirando as gôndolas da seção de materiais de limpeza de um supermercado local. Analisava rótulos e composições químicas, odores, aplicações... Enfim, as maravilhas tecnológicas da faxina doméstica. Como é sabido, estou experimentando opções para potencializar minha performance nessa área.

Enfim... o fato é que, distraído, não percebi que o meu carrinho de compras ficou mal estacionado, e que, em conjunto com um daqueles “pallets móveis” (que os funcionários do estabelecimento usam para transportar produtos e promover o reabastecimento das prateleiras), trancou o trânsito daquela via. Foi aí que ouvi, ao longe, uma voz que chamava insistentemente pelo tio. Ignorei completamente. Depois, a pessoa trocou de tática e passou a optar pelos “psiu” - vocativos altamente irritantes, aos quais também não dou a menor bola. Mas parou de fazê-lo após 10 ou 12 tentativas. O tal tio – imaginei –, quem quer que seja, não estava muito a fim de conversa.


Quando raciocinava comigo sobre as possíveis propriedades antialérgicas de um novo produto para lustrar móveis, senti um leve toque no cotovelo. Virei-me, e dei de cara com um rapaz de aproximadamente 1,90, magro, com um bigodinho nunca escanhoado. Os braços um tanto compridos demais e uma voz incorreta, cheia de falsetes:

     - Tio, o senhor pode tirar o carrinho do caminho?
     - ...
     - Tio?
     - ...

Eu estava paralisado. Como assim, tio? Até onde eu sei, tenho apenas um irmão que, recém-casado, ainda não teve filhos...

Um adolescente, de quê, no máximo uns 17 anos, quase “de maior”, me chamando de “tio”? Ainda que meu corpo não respondesse, paralisado por aquele pronome familiar que eu usava só no jardim de infância, a mente calculou rápido e mergulhou num emaranhado de lembranças, na tentativa desesperada de solucionar aquele novo problema... “Tio”???

Sou da época em que Sorriso se chamava Kolynos e o tubo de pasta de dente era de metal. Você precisava dobrá-lo para conseguir usar todo o conteúdo. Sou do tempo em que desenho animado tinha “moral da história” no final. Eu jogava videogame com um controle de apenas um botão (numa época em que pouco se usava palavras inglesas, “joystick” era “manete”). Grupo de vingadores mascarados se chamava Changeman, programa matutino para crianças era TV Colosso. Eu vi o impeachment do Collor, ouvi muitas vezes o hino nacional tocando domingo de manhã no final da corrida, comemorei 2 títulos mundiais e sofri com 2 desclassificações da seleção em Copas. Usei MS DOS e Windows 3.1, gravei trabalhos do Corel Draw 3 num disquete, bati papo na novíssima internet com o mIRC e com o ICQ. Uma época em que trabalho escolar era feito em papel almaço, copiado da Barsa. Pesquisa na rede era no Cadê ou no AltaVista e conta de email era no BOL. Vi o dinheiro mudar umas 4 vezes. Teve festa lá em casa quando compramos nossa linha de telefone residencial (um investimento). Antes, ligava do orelhão (com fichas parecidas com moedas!!!). Tenho diploma de datilografia. Fiz vulcão em Feira de Ciências. Programa de comédia era com os Trapalhões. Assisti a séries como: Barrados no Baile, Punk – a levada da breca, Alfie – o ETeimoso, a Gata e o Rato, No Mundo da Lua, Anos Incríveis, Dawson's Creek, Batman (com uniforme cinza e onomatopéias). Aliás, vi o 1º Batman no cinema – dormi na metade do filme –, vi Xuxa contra o Baixo Astral. Na minha época, Malhação era realmente numa academia de “ginástica”. Joguei Pula-Pirata, Aquaplay, Tazo (!!!). Eu joguei PacMan no fliperama. Joguei Carmen San Diego num programinha de 8 bits no computador. Tinha um boneco do Cavaleiros do Zodíaco. Brinquei de rádio-pirata num gravador de fita k7. Dancei em “bailinhos” ao som de Kid Abelha. Acompanhei a tristeza geral por causa da morte do Renato Russo, dos Mamonas... Tinha um tênis KiChute e pirava com o Pirocóptero! Perdi muito tampão de dedão jogando bola (dente-de-leite) na rua de paralelepípedo!!! Eu era da época em que Havaianas era “chinelo de dedo”... Eu escrevi e recebi uma centena de cartas e...

     
     - Tio???
     - TIO É A VOVOZINHA! - gritei, dentro da minha cabeça.

Olhei pro garoto, uma década distante de mim... E com uma resignação única de quem nasceu nos anos 80, eu respondi, quase paternal:

      - Claro, meu filho. Pode passar...