sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tio é a vovozinha!!!

É estranho como não nos damos conta da passagem do tempo. O tempo é algo completamente incontrolável, indomável e – admito – implacável.

Estava eu enevoado em meus profundos pensamentos, admirando as gôndolas da seção de materiais de limpeza de um supermercado local. Analisava rótulos e composições químicas, odores, aplicações... Enfim, as maravilhas tecnológicas da faxina doméstica. Como é sabido, estou experimentando opções para potencializar minha performance nessa área.

Enfim... o fato é que, distraído, não percebi que o meu carrinho de compras ficou mal estacionado, e que, em conjunto com um daqueles “pallets móveis” (que os funcionários do estabelecimento usam para transportar produtos e promover o reabastecimento das prateleiras), trancou o trânsito daquela via. Foi aí que ouvi, ao longe, uma voz que chamava insistentemente pelo tio. Ignorei completamente. Depois, a pessoa trocou de tática e passou a optar pelos “psiu” - vocativos altamente irritantes, aos quais também não dou a menor bola. Mas parou de fazê-lo após 10 ou 12 tentativas. O tal tio – imaginei –, quem quer que seja, não estava muito a fim de conversa.


Quando raciocinava comigo sobre as possíveis propriedades antialérgicas de um novo produto para lustrar móveis, senti um leve toque no cotovelo. Virei-me, e dei de cara com um rapaz de aproximadamente 1,90, magro, com um bigodinho nunca escanhoado. Os braços um tanto compridos demais e uma voz incorreta, cheia de falsetes:

     - Tio, o senhor pode tirar o carrinho do caminho?
     - ...
     - Tio?
     - ...

Eu estava paralisado. Como assim, tio? Até onde eu sei, tenho apenas um irmão que, recém-casado, ainda não teve filhos...

Um adolescente, de quê, no máximo uns 17 anos, quase “de maior”, me chamando de “tio”? Ainda que meu corpo não respondesse, paralisado por aquele pronome familiar que eu usava só no jardim de infância, a mente calculou rápido e mergulhou num emaranhado de lembranças, na tentativa desesperada de solucionar aquele novo problema... “Tio”???

Sou da época em que Sorriso se chamava Kolynos e o tubo de pasta de dente era de metal. Você precisava dobrá-lo para conseguir usar todo o conteúdo. Sou do tempo em que desenho animado tinha “moral da história” no final. Eu jogava videogame com um controle de apenas um botão (numa época em que pouco se usava palavras inglesas, “joystick” era “manete”). Grupo de vingadores mascarados se chamava Changeman, programa matutino para crianças era TV Colosso. Eu vi o impeachment do Collor, ouvi muitas vezes o hino nacional tocando domingo de manhã no final da corrida, comemorei 2 títulos mundiais e sofri com 2 desclassificações da seleção em Copas. Usei MS DOS e Windows 3.1, gravei trabalhos do Corel Draw 3 num disquete, bati papo na novíssima internet com o mIRC e com o ICQ. Uma época em que trabalho escolar era feito em papel almaço, copiado da Barsa. Pesquisa na rede era no Cadê ou no AltaVista e conta de email era no BOL. Vi o dinheiro mudar umas 4 vezes. Teve festa lá em casa quando compramos nossa linha de telefone residencial (um investimento). Antes, ligava do orelhão (com fichas parecidas com moedas!!!). Tenho diploma de datilografia. Fiz vulcão em Feira de Ciências. Programa de comédia era com os Trapalhões. Assisti a séries como: Barrados no Baile, Punk – a levada da breca, Alfie – o ETeimoso, a Gata e o Rato, No Mundo da Lua, Anos Incríveis, Dawson's Creek, Batman (com uniforme cinza e onomatopéias). Aliás, vi o 1º Batman no cinema – dormi na metade do filme –, vi Xuxa contra o Baixo Astral. Na minha época, Malhação era realmente numa academia de “ginástica”. Joguei Pula-Pirata, Aquaplay, Tazo (!!!). Eu joguei PacMan no fliperama. Joguei Carmen San Diego num programinha de 8 bits no computador. Tinha um boneco do Cavaleiros do Zodíaco. Brinquei de rádio-pirata num gravador de fita k7. Dancei em “bailinhos” ao som de Kid Abelha. Acompanhei a tristeza geral por causa da morte do Renato Russo, dos Mamonas... Tinha um tênis KiChute e pirava com o Pirocóptero! Perdi muito tampão de dedão jogando bola (dente-de-leite) na rua de paralelepípedo!!! Eu era da época em que Havaianas era “chinelo de dedo”... Eu escrevi e recebi uma centena de cartas e...

     
     - Tio???
     - TIO É A VOVOZINHA! - gritei, dentro da minha cabeça.

Olhei pro garoto, uma década distante de mim... E com uma resignação única de quem nasceu nos anos 80, eu respondi, quase paternal:

      - Claro, meu filho. Pode passar...