segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Fúria sobre duas rodas - Parte 2/3


No capítulo anterior eu contei como foi minha cinematográfica epopeia até a locadora de VHS. Pois bem, no caminho de volta, que era só descida, vinha totalmente despreocupado e já com o coração em paz. Afinal, não teria que me mudar para o Japão (ninguém falava da China, naquela época) por não ter conseguido entregar as fitas. Como você viu, Yasmim me salvou. Até hoje eu não entendo o que ela via naquele zé-mané que trabalhava com ela. Mas fazer o quê, né? O mundo é  mesmo muito injusto...

O joelho estava ardendo demais, como se tivessem jogado pimenta com napalm diretamente na minha rótula... Acredite quando eu digo que chequei várias vezes para ver se eu não estava com alguma exposição de tecido ósseo, porque aquela parada ardia demais. Pela madrugada! Posso sentir agora mesmo aquele desconforto, o cheiro de sangue pisado, aquele tremor quando o vento varria a areia que estava por cima... O efeito da adrenalina da subida estava passando, na mesma medida em que a dor do machucado aumentava, torturante.

Tudo o que eu queria era ir pra casa. Já bolava planos mirabolantes pra esconder o ferimento. Sabia que, se minha mamaezinha visse aquilo, iria me proibir de pedalar por umas cinco ou seis décadas, além de "limpar" tudo com o aterrorizante merthiolate, que sim, naquele tempo ardia mais do que o próprio machucado. Nunca entendi porque fizeram um remédio que era pior que o problema que supostamente resolvia. E também não lavaria aquilo. Tomaria um bom banho da cintura pra cima, ou lavaria só o lado esquerdo do corpo, e vestiria uma calça de moleton, para encobrir as evidências... Quem nunca pensou duas vezes antes de pôr um roelho ralado debaixo do chuveiro que atire a primeira pedra!

Vinha eu descendo a ladeira, na manha, brincando de "pedalar pra trás", quando um coro de vozes acertou em cheio minhas maquinações e me assustou a tal ponto que quase me fez cair de novo... Num primeiro momento pensei que tinha sofrido também uma concussão na queda em frente a locadora... Mas o grito se repetiu, ainda que agora estivesse mais distante... E agora as vozes em minha cabeça ecoavam o meu nome.

Veio aquele frio na espinha, digno de filme de terror. Calafrio quase paralisante que eu só viria a sentir novamente vários meses depois, no episódio do cachorro (que fica para um próximo post), naquela mesma ladeira. Reuni o que eu ainda tinha de forças e estacionei minha Acrobatter gentilmente no meio-fio. Olhei para trás.

Lá estavam meus amigos de Casa do Escritor. O que é Casa do Escritor? Hmmmm... Fica para um outro post (agora já estou devendo outras duas histórias... aonde é que isso vai parar?). O importante é saber que eram meus amigos, jovens, artistas, gente da melhor qualidade e espécie. E então eu esqueci da dor no joelho, do susto, da prova de matemática do dia seguinte. Fiz meia-volta e fui encontrá-los.

Eles estavam na praça que ficava em frente a um colégio. Foi nesta praça que eu vi a Amanda, menina linda por quem passei três anos perdidamente apaixonado, beijar o José Carlos, um de meus melhores amigos, debaixo de uma goiabeira. Mas isso fica para um outro post, afinal, a minha fúria sobre duas rodas acontece beeeeeeem antes daquele fatídico dia, no aniversário de quinze anos da Marília.

Já fui entrando na rodinha emendando o refrão de "Eu Quero Você Como Eu Quero", do Kid Abelha, que o MauMau arranhava no seu violão surrado. Eu não percebi, mas algum tempo depois ele me disse que cantei essa parte olhando fixamente para Amanda. Não lembro disso. Pode ter sido totalmente inconsciente, afinal.




Cantamos e cantamos. Fizemos versos de improviso. Contamos piadas. Falamos dos projetos. Combinamos um cineminha no próximo findi. Eu, do alto da minha hipocrisia adolescente, zoei o Igor que se amarrava na Karol mas não tinha coragem de falar isso pra ela... E cantamos de novo. Não sei porque, mas o assunto mudou pra escola... Ah! Sim, Amanda comentou sobre o livro que a professora de Português obrigou todo mundo a ler: "O Cortiço", que o pai dela leu uma parte e achou que era totalmente impróprio para "crianças". E que ia cair na prova. Prova! Daniel deu um tabefe na própria testa e gemeu: "Cacilda, a prova de Matemática!"

A despedida foi em ritmo acelerado, mas calorosa. Amanda usava um condicionador que deixava seus cabelos loiros com cheiro de chocolate. Peguei minha bicicleta ("Guerreira", pensei triunfante) e me atirei na rua, agora pedalando forte até mesmo na descida da ladeira, alcançando uma velocidade de cruzeiro de um pequeno monomotor, e na hora lembrei da cena clássica do ET. Cruzei a esquina de casa como um raio, e meu coração disparou - e não era por causa do esforço físico...

Havia uma viatura da polícia na frente do meu portão.

Um comentário:

  1. KKKk..D+. Me diverti muito lendo essa história. (Lurdiane)

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